19 setembro, 2006

OFICINA DESAFIOS DO SÉCULO XXI

LABORATÓRIO DE ENSINO EM CIÊNCIA SOCIAIS

OFICINA:

A RELIGAÇÃO DOS SABERES

O Desafio do Século XXI

Guia de Orientação Proposto por Edgar Morin nas
Jornadas Temáticas para o Ensino Médio
na França em 1998.

“As Ciências Humanas abrangerão as Ciências Naturais,
as Ciências Naturais abrangerão as Ciências Humanas”.
Karl Marx. Manuscrito Econômico-filosófico.

“Após terem forçosamente dividido e abstraído um pouco excessivamente, é preciso que os sociólogos se esforcem para recompor o todo. Encontrarão assim dados fecundos”.
Marcel Mauss. Sociologia e Antropologia.

“A tarefa das Ciências Humanas é reintegrar a cultura na natureza,
e finalmente, a vida no conjunto das condições físico-químicas”.
Lévi-Strauss. Pensamento Selvagem.

“No fundo dos sistemas sociais aparece uma infra-estrutura formal, somos mesmo tentados a falar num pensamento inconsciente, uma antecipação do espírito humano, como se nossa ciência já estivesse feita nas coisas, e como se a ordem humana da cultura fosse uma segunda ordem natural, dominada por outros invariantes”.

“Na medida em que a função simbólica está avançada frente ao dado, inevitavelmente o todo da ordem da cultura que ela carrega tende a embaralhar-se. A antítese entre a Natureza e a Cultura torna-se menos nítida”.
Maurice Merleau-Ponty. De Mauss à Lévi-Strauss.

OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

UM DUPLO PROBLEMA DE IMPORTÂNCIA PRIMORDIAL:

1. O desafio da globalidade, isto é, a inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre um saber fragmentado em elementos desconjuntados e compartimentados nas disciplinas de um lado e, de outro, entre as realidades multidimensionais, globais, transnacionais, planetárias e os problemas cada vez mais transversais, polidisicplinares e até mesmo transdisciplinares.


2. A não-pertinência, portanto, de nosso modo de conhecimento e de ensino, que nos leva a separar(os objetos de seu meio, as disciplinas umas das outras) e não reunir aquilo que, entretanto, faz parte de um “mesmo tecido”. A inteligência que só sabe separar espedaça o complexo do mundo em fragmentos desconjuntados, fraciona os problemas. Assim, quanto mais problemas tornam-se multidimensionais, maior é a incapacidade para pensar sua multidimensionalidade; quanto mais eles se tornam planetários, menos são pensados enquanto tais. Incapaz de encarar o contexto e o complexo planetário, a inteligência torna-se cega e irresponsável.

A ADEQUAÇÃO ÀS FINALIDADES EDUCATIVAS.

A primeira é a adequação de todas as disciplinas, científicas e humanas, às finalidades educativas fundamentais, que acabaram sendo ocultadas pelas fragmentações disciplinares e pelas compartimentações entre essas duas diferentes culturas:
1) formar espíritos capazes de organizar seus conhecimentos em vez de armazená-los por uma acumulação de saberes: “Antes uma cabeça bem feita que uma cabeça muito cheia”, Montaigne;
2) ensinar a condição humana: “Nosso verdadeiro estudo é o da condição humana”, J.J. Rousseau, Emile);
3) ensinar a viver: “Viver é o ofício que lhe quero ensinar”, Émile);
4) refazer uma escola da cidadania.


ENSINAR A CONDIÇÃO HUMANA:

A condição humana encontra-se totalmente ausente do ensino atual, que a desintegra em fragmentos desconjuntados. Ora, os recentes desenvolvimentos das ciências naturais e da tradição mais relevante da cultura humanista permitiriam um ensino que fizesse convergir todas as disciplinas, no sentido de fazer com que cada jovem espírito se conscientize do significado de ser humano.

APRENDER A VIVER:

Significa preparar os espíritos para afrontar as incertezas e os problemas da existência humana. O ensino da incerteza que caracteriza o mundo deve partir das ciências: elas mostram o caráter aleatório, acidental, até mesmo cataclísmico, às vezes, da história do cosmos.


O APRENDIZADO DA CIDADANIA:

Necessitará de um ensinamento, totalmente inexistente hoje, do que é uma nação. A história do Brasil situará o aluno em as condição de cidadão brasileiro no seio de sua nação, de sua cultura, de sua comunidade de destino. A aprendizagem da cidadania incluirá também, pelas vias da história da América Latina, da Europa e da história planetária (isto é, os tempos modernos), a possibilidade de desenvolver em cada um a cidadania latino-americana e a cidadania do planeta Terra. Nosso ensino deve contribuir para o enraizamento de cada jovem brasileiro em sua história e cultura e, ao mesmo tempo, demonstrar que esta cultura e esta história estão ligadas à da América Latina, da Europa e à do próprio mundo.

A FINALIDADE DA “CABEÇA BEM FEITA”:

Ela trata de um ponto que se encontra igualmente ausente do ensino e que deveria ser considerado como essencial: a arte de organizar seu próprio pensamento, de religar e, ao mesmo tempo, diferenciar. Trata-se de favorecer a aptidão natural do espírito humano a contextualizar e a globalizar, isto é, a relacionar cada informação e cada conhecimento a seu contexto e conjunto. Trata-se de reforçar a aptidão a interrogar e a ligar o saber à dúvida, de desenvolver a aptidão para integrar o saber particular em sua própria vida e não somente a um contexto global, a aptidão para colocar a si mesmo os problemas fundamentais de sua própria condição e de seu tempo.

A ADEQUAÇÃO DOS “OBJETOS” NATURAIS E CULTURAIS

As disciplinas deveriam apresentar uma adequação a “objetos” que sejam a um só tempo naturais e culturais, como o mundo, a Terra, a vida, a humanidade. Eles são naturais porque são percebidos por cada um em sua globalidade e parecem-nos evidentes. Ora, esses objetos naturais desapareceram do ensino; eles encontram-se retalhadas e dissolvidos não somente pelas disciplinas físicas e químicas, mas também pelas biológicas (posto que as disciplinas biológicas tratam de moléculas, genes, comportamentos, etc. e rejeitam a própria noção de vida, considerada como inútil); da mesma forma, as ciências humanas retalharam e ocultaram o humana enquanto tal, e os teóricos do estruturalismo chegaram mesmo à presunção de pensar que era preciso dissolver a noção de homem.
Esses objetos naturais são imediatamente identificáveis por qualquer adolescente. Eles correspondem a temas que estiveram todo o tempo presentes em nossos ensaios e poemas, a problemas que incessantemente foram colocados por nossa tradição cultural e que permanecem vivos. Eles correspondem às curiosidades naturais da criança e do adolescente e, aliás, deveriam permanecer como curiosidade também para o adulto. Com os “objetos” naturais, nós reencontramos as grandes perguntas que por todo tempo agitaram a consciência humana e que todo adolescente faz a si mesmo: quem somos, onde estamos, de onde vimos, para onde vamos? Nós revigoramos as interrogações que foram sustentadas por nossa literatura e nossa filosofia e que se encontram hoje alimentadas, enriquecidas e renovadas pelas grandes aquisições das ciências contemporâneas.
Enquanto fragmentado, o saber não oferece nem sentido, nem interesse, ao passo que, respondendo às interrogações e curiosidades, ele interessa e assume sentido.