19 setembro, 2006

MINI CURSO: A RELIGAÇÃO DOS SABERES

LABORATÓRIO DE ENSINO EM CIÊNCIA SOCIAIS

III SEMINÁRIO DE LICENCIATURA EM SOCIOLOGIA

MINI CURSO:

A RELIGAÇÃO DOS SABERES

O Desafio do Século XXI

Guia de Orientação Proposto por Edgar Morin nas
Jornadas Temáticas para o Ensino Médio
na França em 1998.

Coordenador do Mini-Curso:

Professor Alexandre Corrêa (DEPSAN/UFMA)
(Doutor em Ciências Sociais: Antropologia da PUC/SP e
Mestre em Antropologia Cultural da UFPE)

Data, Horário e Local:
12 e 13 de novembro, às 18 Horas na Sala Multimídia CCH UFMA.

MINI CURSO: A RELIGAÇÃO DOS SABERES O Desafio do Século XXI Guia de Orientação Proposto por Edgar Morin nas Jornadas Temáticas para o Ensino Médio na França em 1998.


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QUEM É EDGAR MORIN

Nasceu em Paris, no ano de 1921. Aderiu ao Partido Comunista na Resistência Francesa à ocupação nazista, durante à II Guerra Mundial. Em 1951 foi excluído do Partido por lutar contra o Estalinismo. A partir de 1957, pesquisa sobre temas políticos, marcado pela vontade de repensar a teoria da ação revolucionária, para além da “vulagata marxista” e do “comunismo de aparelho”. Neste esforço, engaja-se na Revista Arguments, sendo seu diretor entre 1957 e 1963. Nesse período escreve o texto Introduction à une politique de l’homme. No mesmo trajeto percebe que se necessita cada vez mais de uma antropossociologia fundamental que se enraíze no mondo físico e biológico (Lê paradigme perdu, 1973; La méthode, I à IV). Desde então seu trabalho tem sido no sentido de formular uma antropolitica que reflita sobre os problemas colocados por uma transformação social que promova um novo renascimento da Humanidade.

PRINCIPAIS OBRAS PUBLICADAS

MORIN, Edgar. A epistemologia da complexidade. Porto Alegre: ArtMed. 1990
____. O paradigma perdido. Lisboa: Europa-América. 1991
____. O método IV: as idéias. Lisboa: Europa-América. 1992
____. Terra-pátria. Lisboa: Instituto Piaget. 1993
____. Ciência com Consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 1996
____. X da questão: o sujeito à flor da pele. Porto Alegre: ArtMed. 2003


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“As Ciências Humanas abrangerão as Ciências Naturais,
as Ciências Naturais abrangerão as Ciências Humanas”.
Karl Marx. Manuscrito Econômico-filosófico.

“Após terem forçosamente dividido e abstraído um pouco excessivamente, é preciso que os sociólogos se esforcem para recompor o todo. Encontrarão assim dados fecundos”.
Marcel Mauss. Sociologia e Antropologia.

“A tarefa das Ciências Humanas é reintegrar a cultura na natureza,
e finalmente, a vida no conjunto das condições físico-químicas”.
Lévi-Strauss. Pensamento Selvagem.

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“No fundo dos sistemas sociais aparece uma infra-estrutura formal, somos mesmo tentados a falar num pensamento inconsciente, uma antecipação do espírito humano, como se nossa ciência já estivesse feita nas coisas, e como se a ordem humana da cultura fosse uma segunda ordem natural, dominada por outros invariantes”.

“Na medida em que a função simbólica está avançada frente ao dado, inevitavelmente o todo da ordem da cultura que ela carrega tende a embaralhar-se. A antítese entre a Natureza e a Cultura torna-se menos nítida”.
Maurice Merleau-Ponty. De Mauss à Lévi-Strauss.

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OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

UM DUPLO PROBLEMA DE IMPORTÂNCIA PRIMORDIAL:

1. O desafio da globalidade, isto é, a inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre um saber fragmentado em elementos desconjuntados e compartimentados nas disciplinas de um lado e, de outro, entre as realidades multidimensionais, globais, transnacionais, planetárias e os problemas cada vez mais transversais, polidisicplinares e até mesmo transdisciplinares.

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2. A não-pertinência, portanto, de nosso modo de conhecimento e de ensino, que nos leva a separar (os objetos de seu meio, as disciplinas umas das outras) e não reunir aquilo que, entretanto, faz parte de um “mesmo tecido”. A inteligência que só sabe separar espedaça o complexo do mundo em fragmentos desconjuntados, fraciona os problemas. Assim, quanto mais problemas tornam-se multidimensionais, maior é a incapacidade para pensar sua multidimensionalidade; quanto mais eles se tornam planetários, menos são pensados enquanto tais. Incapaz de encarar o contexto e o complexo planetário, a inteligência torna-se cega e irresponsável.

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A ADEQUAÇÃO ÀS FINALIDADES EDUCATIVAS.

A primeira é a adequação de todas as disciplinas, científicas e humanas, às finalidades educativas fundamentais, que acabaram sendo ocultadas pelas fragmentações disciplinares e pelas compartimentações entre essas duas diferentes culturas:

1) formar espíritos capazes de organizar seus conhecimentos em vez de armazená-los por uma acumulação de saberes: “Antes uma cabeça bem feita que uma cabeça muito cheia”, Montaigne;
2) ensinar a condição humana: “Nosso verdadeiro estudo é o da condição humana”, J.J. Rousseau, Emile);
3) ensinar a viver: “Viver é o ofício que lhe quero ensinar”, Émile);
4) refazer uma escola da cidadania.

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ENSINAR A CONDIÇÃO HUMANA:

A condição humana encontra-se totalmente ausente do ensino atual, que a desintegra em fragmentos desconjuntados. Ora, os recentes desenvolvimentos das ciências naturais e da tradição mais relevante da cultura humanista permitiriam um ensino que fizesse convergir todas as disciplinas, no sentido de fazer com que cada jovem espírito se conscientize do significado de ser humano.

APRENDER A VIVER:

Significa preparar os espíritos para afrontar as incertezas e os problemas da existência humana. O ensino da incerteza que caracteriza o mundo deve partir das ciências: elas mostram o caráter aleatório, acidental, até mesmo cataclísmico, às vezes, da história do cosmos.

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O APRENDIZADO DA CIDADANIA:

Necessitará de um ensinamento, totalmente inexistente hoje, do que é uma nação. A história do Brasil situará o aluno na condição de cidadão brasileiro no seio de sua nação, de sua cultura, de sua comunidade de destino. A aprendizagem da cidadania incluirá também, pelas vias da história da América Latina, da Europa e da história planetária (isto é, os tempos modernos), a possibilidade de desenvolver em cada um a cidadania latino-americana e a cidadania do planeta Terra. Nosso ensino deve contribuir para o enraizamento de cada jovem brasileiro em sua história e cultura e, ao mesmo tempo, demonstrar que esta cultura e esta história estão ligadas à da América Latina, da Europa e à do próprio mundo.


A FINALIDADE DA “CABEÇA BEM FEITA”:

Ela trata de um ponto que se encontra igualmente ausente do ensino e que deveria ser considerado como essencial: a arte de organizar seu próprio pensamento, de religar e, ao mesmo tempo, diferenciar. Trata-se de favorecer a aptidão natural do espírito humano a contextualizar e a globalizar, isto é, a relacionar cada informação e cada conhecimento a seu contexto e conjunto. Trata-se de reforçar a aptidão a interrogar e a ligar o saber à dúvida, de desenvolver a aptidão para integrar o saber particular em sua própria vida e não somente a um contexto global, a aptidão para colocar a si mesmo os problemas fundamentais de sua própria condição e de seu tempo.

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A ADEQUAÇÃO DOS “OBJETOS” NATURAIS E CULTURAIS:

As disciplinas deveriam apresentar uma adequação a “objetos” que sejam a um só tempo naturais e culturais, como o mundo, a Terra, a vida, a humanidade. Eles são naturais porque são percebidos por cada um em sua globalidade e parecem-nos evidentes. Ora, esses objetos naturais desapareceram do ensino; eles encontram-se retalhadas e dissolvidos não somente pelas disciplinas físicas e químicas, mas também pelas biológicas (posto que as disciplinas biológicas tratam de moléculas, genes, comportamentos, etc. e rejeitam a própria noção de vida, considerada como inútil); da mesma forma, as ciências humanas retalharam e ocultaram o humano enquanto tal, e os teóricos do estruturalismo chegaram mesmo à presunção de pensar que era preciso dissolver a noção de homem.
Esses objetos naturais são imediatamente identificáveis por qualquer adolescente. Eles correspondem a temas que estiveram todo o tempo presentes em nossos ensaios e poemas, a problemas que incessantemente foram colocados por nossa tradição cultural e que permanecem vivos. Eles correspondem às curiosidades naturais da criança e do adolescente e, aliás, deveriam permanecer como curiosidade também para o adulto. Com os “objetos” naturais, nós reencontramos as grandes perguntas que por todo tempo agitaram a consciência humana e que todo adolescente faz a si mesmo: quem somos, onde estamos, de onde vimos, para onde vamos? Nós revigoramos as interrogações que foram sustentadas por nossa literatura e nossa filosofia e que se encontram hoje alimentadas, enriquecidas e renovadas pelas grandes aquisições das ciências contemporâneas.
Enquanto fragmentado, o saber não oferece nem sentido, nem interesse, ao passo que, respondendo às interrogações e curiosidades, ele interessa e assume sentido.

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OS SETE SABERES NECESSÁRIOS
À EDUCAÇÃO DO FUTURO

UNESCO.

Por iniciativa da UNESCO e de seu então Presidente, Federico Mayor, em 1999, Edgar Morin foi solicitado a sistematizar um conjunto de reflexões que servissem como ponto de partida para se repensar a Educação do próximo milênio.

1. Educação – Filosofia;
2. Educação – Finalidades e Objetivos;
3. Interdisciplinaridade e Conhecimento;
4. Interdisciplinaridade na Educação.

TÓPICOS FUNDAMENTAIS:

Sugeridos por Edgard de Assis Carvalho (PUC/SP):

1. A Educação do Futuro exige um esforço transdisciplinar que seja capaz de rejuntar ciências e humanidades e romper com a oposição entre natureza e cultura;
2. Proposta de um novo desafio cognitivo aos pensadores empenhados em repensar os rumos que as instituições educacionais terão de assumir;
3. Esforço comum de superar a inércia da fragmentação e da excessiva disciplinarização;
4. Mobilizar frentes de luta e formas concretas de ação que detenha a clausura e o enquistamento do Conhecimento, que atinge o Ensino em todas os seus níveis;
5. Buscar a Superação do “Grande Paradigma do Ocidente, disjuntor do sujeito e do objeto, da alma e do corpo, da existência e da essência.

Alguns Princípios Básicos:

- É preciso deixar-se contaminar pelo “princípio da incerteza racional”;
- Descobrir que a razão e a desrazão integram qualquer tipo de cognição;
- Resgatar a unidualidade do humano;
- Reaprender a rejuntar a parte e o todo, o texto e o contexto, o global e o planetário;
- Enfrentar os paradoxos que o desenvolvimento tecnoeconômico: globalizante de um lado e excludente de outro;
- Rerconhecer as novas formas de solidariedade e responsabilidade;
- Estimular a unidade da diversidade contras as tendências bestializadoras do pensamento único.


A Educação do Futuro deve ter como Prioridade ensinar a “ÉTICA DA COMPREENSÃO PLANETÁRIA”

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OS SETE SABERES NECESSÁRIOS
À EDUCAÇÃO DO FUTURO.

Objetivo da Obra:

APRESENTAÇÃO DOS PROBLEMAS CENTRAIS OU FUNDAMENTAIS QUE PERMANECEM TOTALMENTE IGNORADOS OU ESQUECIDOS E QUE SÃO NECESSÁRIOS PARA SE ENSINAR NO PRÓXIMO SÉCULO.

Há Sete Saberes “Fundamentais” que a educação do futuro deveria tratar em toda sociedade e em toda cultura, sem exclusividade nem rejeição, segundo modelos e regras próprias a cada sociedade e a cada cultura.

Lembrar: O saber científico sobre o qual este texto se apóia para situar a condição humana não só é provisório, mas também desemboca em profundos mistérios referentes ao Universo, à Vida, ao nascimento do ser humano. Aqui se abre um indecidível, no qual intervêm opções filosóficas e crenças religiosas através de culturas e civilizações.

OS SETE SABERES NECESSÁRIOS

I – As Cegueiras do Conhecimento: O erro e a Ilusão

II – Os Princípios do Conhecimento Pertinente

III – Ensinar A Condição Humana

IV – Ensinar a Identidade Terrena

V – Enfrentar as Incertezas

VI – Ensinar a Compreensão

VII – A Ética do Gênero Humano


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I – As Cegueiras do Conhecimento: O erro e a Ilusão

- A Educação que visa transmitir conhecimento não deve ser cega quanto ao que é o conhecimento humano: seus dispositivos, enfermidades, dificuldades, tendências ao erro e ã ilusão;

- Fazer conhecer o que é Conhecer;

- O Conhecimento não pode ser considerado uma ferramenta ready made , i. é, que pode ser utilizada sem que sua natureza seja examinada;

- O Conhecimento do Conhecimento deve aparecer como necessidade primeira, que serviria de preparação para enfrentar os riscos permanentes de errro e de ilusão, que não cessam de parasitar a mente humana. Trata-se de armar cada mente no combate vital ruma à lucidez;

- É necessário introduzir e desenvolver na educação o estudo das características cerebrais, mentais, culturais dos conhecimentos humanos, de seus processos e modalidades, das disposições tanto psíquicas quanto culturais que o conduzem ao erro ou à ilusão;

II – Os Princípios do Conhecimento Pertinente

- Existe um problema capital, sempre ignorado, que é o da necessidade de promover o conhecimento capaz de apreender problemas globais e fundamentais para neles inserir os conhecimentos parciais e locais;

- A supremacia do conhecimento fragmentado de acordo com as disciplinas impede freqüentemente de operar o vínculo entre as partes e a totalidade, e deve ser substituída por uma modo de conhecimento capaz de apreender os objetos em seu contexto, sua complexidade, seu conjunto;

- É necessário desenvolver a aptidão do espírito humano para situar todas essas informações em um contexto e um conjunto. É preciso ensinar os métodos que permitam estabelecer as relações mútuas e as influências recíprocas entre as partes e o todo em um mundo complexo.

III – Ensinar A Condição Humana

- O Ser Humano é a um só tempo físico, biológico, psíquico, cultural, social, histórico. Esta unidade complexa da natureza humana é totalmente desintegrada na educação por meio das disciplinas, tendo-se tornado impossível aprender o que significa ser humano. É preciso restaurá-la, de modo que cada um, onde quer que se encontre, tome o conhecimento e consciência, ao mesmo tempo, de sua identidade complexa e de sua identidade comum a todos os outros humanos;

- A Condição Humana deveria ser o objeto essencial de todo o ensino;

- É possível, com base nas disciplinas atuais, reconhecer a unidade e a complexidade humana, reunindo e organizando conhecimentos dispersos nas Ciências da Natureza, nas Ciências Humanas, na Literatura e na Filosofia, e põe em evidência o elo indissolúvel entre a unidade e a diversidade de tudo que é humano.

IV – Ensinar a Identidade Terrena

- O Destino Planetário do Gênero Humano é outra realidade-chave até agora ignorada pela Educação. O Conhecimento dos desenvolvimentos da Era Planetária, que tendem a crescer no século XXI, e o reconhecimento da identidade terrena, que se tornará cada vez mais indispensável a cada um e a todos, devem converter-se em um dos principais objetos da Educação;

- Ensinar a História da Era Planetária, que se inicia com o estabelecimento da comunicação entre todos os continentes no século SVI, e mostrar como todas as partes do mundo se tornaram solidárias, sem, contudo, ocultar as opressões e a dominação que devastaram a humanidade e que ainda não desapareceram;

- Será preciso indicar o complexo de crise planetária que marca o século XX, mostrando que todos os seres humanos, confrontados de agora em diante aos mesmos problemas de vida e de morte, partilham um destino comum.

V – Enfrentar as Incertezas

OS SETE SABERES NECESSÁRIOS
À EDUCAÇÃO DO FUTURO.

I – As Cegueiras do Conhecimento: O erro e a Ilusão
1. O calcanhar-de-aquiles do conhecimento
1.1. Os erros mentais
1.2. Os erros Intelectuais
1.3. Os erros da Razão
1.4. As cegueiras paradigmáticas
2. O imprinting e a normalização
3. A noologia: possessão
4. O inesperado
5. A incerteza do Conhecimento

II – Os Princípios do Conhecimento Pertinente
1. Da Pertinência no Conhecimento
1.1. O Contexto
1.2. O Global (as relações entre o todo e as partes)
1.3. O Multidimensional
1.4. O Complexo
2. A Inteligência Geral
2.1. A Antinomia
3. Os Problemas Essenciais
3.1. Disjunção e especialização fechada
3.2. Redução e Disjunção
3.3. A falsa Racionalidade

III – Ensinar A Condição Humana