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Reflexão para Debate:
QUEM AINDA
QUER SER PROFESSOR?
Há fortes evidências, nos dias atuais, de que a
profissão docente vive uma crise sem precedentes na história do nosso ensino. A
despeito da grande diversidade de condições da oferta e demanda por
escolarização, tanto no que se refere à condição docente quanto à condição
discente, produto da diferenciação sociocultural e das desigualdades
socioeconômicas, essa crise atravessa a estrutura da escola de alto a baixo.
Ela combina ingredientes de natureza muito diversa,
mas o elemento-chave da sua explicação é o baixo valor do diploma de professor,
sobretudo na educação básica, tanto no mercado de bens econômicos (salário)
quanto no mercado de bens simbólicos (prestígio). Esse baixo valor do diploma
expressa um terrível paradoxo: quanto mais expandimos a oferta do ensino, maior
se revela nossa dificuldade de formar professores para atendê-la.
Estamos pagando o preço caro de uma conquista.
Desde o século 18, na Europa, e pelo menos desde o final do século 19, no
Brasil, reivindica-se educação como direito do cidadão e dever do Estado. Pois
bem, todos - ou quase todos - vieram para a escola. Vieram os camponeses, os
das periferias urbanas, os indígenas, os deficientes físicos e, inclusive, os
que não querem saber de escola. Vieram por direito, resultado de lutas históricas
pela sua inclusão nos sistemas de ensino. Mas, como não há milagres em matéria
de educação e ensino, isso também exigiria formar em quantidade e qualidade os
professores que dariam conta dessa tarefa em condições que obedecessem a
patamares mínimos de decência.
O Brasil universalizou recentemente o ensino
fundamental e trabalha arduamente para universalizar, até 2016, a educação
infantil e o ensino médio, cujo atendimento está na casa de míseros 50%. Não
bastasse a escassez de professores para a demanda atual, que o MEC já
contabiliza na casa dos 250 mil, sobretudo para o ensino das ciências,
universalizar a educação básica implica a necessidade de formar mais e bem os
professores para realizar a tarefa. Essa legítima proposta do Plano Nacional de
Educação esbarra, contudo, em problemas cuja gravidade nos deixa poucas
expectativas para sua realização.
Um desses problemas é a baixa atratividade da
carreira docente, com recrutamento dos estudantes dos cursos de licenciatura
justamente entre aqueles de escolarização básica mais precária. Indicador
preocupante dessa baixa atratividade está expresso na relação candidato/vaga
dos últimos 13 vestibulares da UFMG (2000-2012), o que parece estar longe de
ser uma situação exclusiva desta Universidade. Em 2000, dos 17 cursos mais
concorridos, seis formavam professores. Para o vestibular 2012, não há um único
curso de licenciatura entre os 15 mais concorridos.
Mantida a atual tendência, em três ou cinco anos
não teremos candidatos aos cursos de licenciatura. Cursos como Ciências
Biológicas, Educação Física, Geografia, História, Letras, Matemática e
Pedagogia, que eram disputados numa correlação de 12 a 30 candidatos por vaga,
há dez anos, para 2012 contarão, respectivamente, com 3,5; 2,1; 1,6; 4,8; 1,4;
2,9 e 3,0 candidatos para cada vaga. Mesmo considerando que houve aumento do
número de vagas em alguns deles, redução da concorrência em outros cursos que
não os de licenciatura e que caiu de 18 para 9 a média geral da relação
candidato/vaga na universidade, a generalizada queda da concorrência nos cursos
de licenciatura é forte evidência de que há pouco interesse pela docência
atualmente.
Mas isso é apenas parte do problema. Um segundo
elemento a ser considerado é o elevado índice de desistência da profissão.
Grande número dos que se formam professores não terão as salas de aula como
destino ocupacional. A universidade fez elevado investimento, nas duas últimas
décadas, criando cursos exclusivamente de licenciatura, em que a escolha
precede o vestibular. Grande parte dos alunos desses cursos diz explicitamente
que a sala de aula não é a sua opção. E um dos motivos mais apontados é a
informação sobre o elevado índice de abandono da profissão, isto é, professores
experientes que se afastam por adoecimento ou por não suportarem mais ser
vítimas de violência física e/ou simbólica no cotidiano da sala de aula.
Internamente, a Universidade tem enfrentado o
problema com ações como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à
Docência (Pibid), que concede bolsas de estudos e um trabalho de formação
diferenciada para alunos dos cursos de licenciatura. Contudo, se não forem
modificadas as condições gerais da docência, para fazer dela uma carreira
atraente, simplesmente não teremos professores para atuarem na universalização
da educação básica.
Artigo de João
Valdir Alves de Souza, professor de Sociologia da Educação na FeE/UFMG,
coordenador do Colegiado Especial de Licenciatura e do Grupo de Pesquisa sobre
Formação de Professores e Condição Docente.
Fonte: Articulando Educadores: